| Piet Mondrian, Composition in Blue, Grey and Pink, 1913 |
um súbito azul
desce na cinza da terra -
rosas de inverno
| Fernando Calhau, sem título #91 (Time - space) - Areia, 1977 (Gulbenkian) |
Nesta areia, esconde-se uma outra areia. Mais fina, grãos microscópicos onde, se aumentados sob o desejo hiperbólico do microscópio, existem mundos, terras extasiadas, aquecidas por sóis invisíveis, banhadas por oceanos sem nome, habitadas por povos que caíram na insignificância e que sobrevivem na sombra da sua infinita pequenez.
| Paul Cézanne, The Graden Terrace at Les Lauves, 1902-1906 |
o jardim silencia-se sob a luz
vesperal tocada pelo vento
a chuva compõe uma dança
na praça despovoada da
melancolia
da janela oiço ecoar um sino
quebrado pela turquês do tempo
o súbito voo de um corvo abre
a mudez do jardim à luz da palavra
Janeiro de 2025
| Umberto Boccioni, Drawing after "States of Mind: Those Who Go", 1912 |
| John Yardley, A book on the terrace |
| Max Ernst, sem título, 1920 |
| Camille Pissarro, Morning, Sunshine Effect Winter, 1895 |
os cristais da manhã resplandecem
sob o lírio solar nascido na
aurora
durante a noite a vida coagulada
esconde-se no láudano da
quietude
enquanto a melopeia da morte
se entrega ao relampejo do
vento
vencida a provação das trevas
a vida ergue-se na levitação da
luz
| Charles Job, Pulborough Bridge, 1907 |
| Fernando Calhau, sem título #384, 1980 |
| Paul Gauguin, Village breton sous la neige, 1894 |
a pele de onça das tardes frias
estendeu-se como um véu sobre a
rua
os corações descompassados
tremem
esquecidos em metáforas mortas
uma invernia austera e sem nome
abre-se ao fogo-fátuo das
lareiras
caminho pelo meu coração
hesitante
sou o animal que vela o frio
das ruas
Janeiro de 2025
| John Ruskin, A River in the Highlands, 1847 |
| Modesto Urgell Inglada, Tempestad |
| Paul Signac, Au temps d'harmonie, 1894 |
| Camille Pissarro, Manhã de Inverno no Boulevard de Montmartre |
de súbito o inverno germinou
no frio da terra desamparada
o deus dos campos recolheu-se
as aves cruzam os ares da
cidade
vestígios do ouro dos dias
quentes
ecoam no murmúrio do meio-dia
a desolação de campos e prados
resplandece no néon das
avenidas
Dezembro de 2024
| Rolando Sá Nogueira, sem título, 1959 (Gulbenkian) |
| Querubim Lapa, sem título, 1947 |
| Raimundo de Oliveira, Pentecostes, 1964 (Gulbenkian) |
| Benvenuto Benvenuti, Cipressi e colombe, 1906-7 |
| Amadeo Souza-Cardoso, Étude A [Gëmalde A / Quadro A], 1913 (Gulbenkian) |
a gramática outonal dissolve-se
o caos instala-se
no fraseado da estação
colheitas e vindimas esquecidas
cheios de silêncio
dormem adegas e celeiros
na cidade incandescente
ouve-se a voz do frio
ecoa nas janelas fechadas
Dezembro de 2024
| Pietro Sarto, Bassin Lemanique, 1981 (Gulbenkian) |
| Francis Smith, Le Port à Honfleur, 1958 (Gulbenkian) |
| Hugo Canoilas, Formas de vida simples que regressam ao mar, 2020-2023 (Gulbenkian) |