quarta-feira, 24 de maio de 2017

Haikai urbano (13)

Alfred Ehrhardt, Lauben am altstädter Ring, Prag, Böhmen und Mähren, 1941

na cidade velha
arcadas, sombras, segredos
homens em silêncio

terça-feira, 23 de maio de 2017

Caminho

Hiroshi Sugitomo - Strait of Gibraltar, 1996

A linha que separa é também a que une. Quando se diz a linha do horizonte, o pensamento abre-se a uma dupla experiência, a do discernimento das diferenças ou a da fusão na identidade. Nestas duas experiências encontram-se três caminhos para o homem. A da especialização numa diferença, a da imersão muda no idêntico, a da tensão contínua entre o diferente e o idêntico. A cada um o seu caminho.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Poemas do Viandante (631)

Yves Klein - Vent Paris-Nice (COS 10) (1960)

631. o vendaval de neve

o vendaval de neve
desliza
nas escamas
da memória
murmúrio de sedas
no veludo
do tempo
água-forte que traça
figuras enlouquecidas
                no bronze
das estátuas
                               ou das estrelas

(10/12/2016)

domingo, 21 de maio de 2017

Pobres e ricos em espírito

Jill Freedman, Richest man in the world, 1970s

Na vida material, aquele que move a generalidade dos seres humanos, a riqueza reside no acumular. Na vida espiritual, pelo contrário, a verdadeira riqueza é pobreza. Reside no abandonar. Abandonar inclusive aquilo de que o espírito se apropriou e toma como propriedade sua. Um espírito que é proprietário, mesmo que seja apenas e só de bens espirituais, é um espírito submetido à lógica do mundo material, às regras do mercado. Só se tornará efectivamente rico quando se despir de tudo isso e se tornar um pobre de espírito, um sem-abrigo que não espera nada e vive para cada instante que a vida lhe concede, .

sábado, 20 de maio de 2017

O sonho

René Burri - Town of Shanghai, China, 1989

Era um sonho recorrente, daqueles que persistem ao longo da vida. Um quarto, um televisor e nele um rosto, parte de um rosto, para ser mais preciso, onde se abria um olho. Observava-me e seguia os meus passos dentro do quarto. Sentia incómodo, mas não medo. Não sei se o sonho era demorado, parecia-me que durava uma eternidade, até que acordava e não havia olho, rosto ou sequer um televisor. Nunca tive uma televisão. Até hoje, até agora que acordei e você está aí a olhar-me. Reconheço bem o olho que me espiou, o corte de cabelo que eu percebia no sonho e nada explica o que faz um televisor de ecrã estilhaçado no meu quarto.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Meditação breve (32) - Esperança

Pete Turner - New Dawn, Heimaey, 1973

O momento em que o dia irrompe é sempre o símbolo de uma esperança. A exuberância da luz rasga o véu da escuridão e anuncia aos homens um novo começo, e a esperança não é mais do que isso, o desejo de um novo começo, a possibilidade do inédito a redenção pelo retorno à inocência.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

As mãos

Stephan Vanfleteren

Eis as minhas mãos. São assim, já não me lembro como foram. Como eram pequenas e cresceram acompanhando o ritmo do corpo, não o sei. Tornaram-se poderosos, diz-me a memória que resta. Pegaram no mundo e ergueram-no, tocaram em corpos que enlouqueceram, imagino. Agora são um mar de rugas, a pele gasta, uma vontade de inércia. Dantes, guiavam-me, iam sempre à minha frente. Hoje não sei o que fazer com elas. Olho-as, mas não sinto nostalgia. Dizem-me que elas teriam muito a contar. Talvez, mas a verdade é que quase não me lembro. São apenas umas mãos escavadas pela enxada do tempo.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Poemas do Viandante (630)

Yves Klein - Anthropométrie suaire sans titre  (ANT SU 3) (1960)

630. a borboleta desce

a borboleta desce
miraculada
de cores
no alvéolo branco
do ciúme
e estende a teia
aos amantes
no vinho ébrio
borboletado
de janeiro a janeiro

(10/12/2016)

terça-feira, 16 de maio de 2017

Haikai urbano (12)

John Atkinson Grimshaw - Liverpool Docks, 1880s

navios do passado
chegam na luz do futuro
cidade de sombra

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Olhares

Unknown Photographer - The first day of school, Portugal, 1936

A escola é, muitas vezes, um treino sistemático para aprender olhar para baixo, como se todo o interesse dos homens estivesse na terra. Por vezes, alguém ousa olhar para cima e é nesse momento e nesse gesto que o homem adquire rosto, onde se manifesta o espírito, e um outro sentido para a vida se torna manifesto.