sexta-feira, 3 de março de 2017

Meditação breve (17) - Rebelião

Carlos Calvet - Rebelião (2008)

Uns vêem a rebelião como um princípio de esperança; outros, como a consequência do desespero. Na verdade, a rebelião é apenas o sinal de que nada é sólido e tudo o que parece estável e eterno se pode fundir no rio do tempo.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Meditação breve (16) - Prisão

Tal-Coat - Auto-retrato (1980)

Mais importante do que salvar ou perder a face é não ter face. Nem boa nem má reputação. Preocupar-se com a face ou a reputação é ainda um sinal de que se está preso na opinião do mundo.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Haikai Urbano (4)

Nadir Afonso - Le Lac de Toronto (1984)

a cidade cresce
na luz das águas do lago
cimento e sombra

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Poemas do Viandante (614)

Marcel Duchamp - Disc em movimento - Rotolief

614. um disco em delírio

um disco em delírio
desenha
uma rota de colisão
e rodopia
rodopia
tomado pela cólera
de um coral
preso ao fundo
negro
negro da escuridão

(08/12/2016)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A sombra exausta

Bill Jacklin - Argus I (with Shadow) (1985)

Já não posso estar aqui. Durante muitos anos, pode crer, este foi o meu lugar. Cansada, sentava-me nesta cadeira. Sempre no mesmo lugar junto à parede. Via a luz que entrava na casa. Gostava, em particular, dos crepúsculos, da sensação do mundo a desvanecer-se na noite. Agora, cada vez que aqui me sento, é um tormento. Sinto umas mãos nas minhas costas. Empurram-me como se tivesse perdido o direito a sentar-me na minha cadeira. Se descobri quem me empurrava? Sim. É a minha própria sombra. Que desapareça, grita. De tanto conviver comigo, está exausta e não me suporta. Chegou o tempo dela se sentar na cadeira e descansar, afiança, enquanto me empurra.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Da casa do espírito

Lajos Kassák - IV. Aristocratas e Castelos (1920)

Os castelos perderam sentido e com eles também o perderam as aristocracias. Um certo espírito está sempre ligado a um certo tipo de habitação. Quando a casa perde o sentido morre também o espírito que a habitava e lhe dava vida. Mas o espírito não é imortal? Não está ele para além do corpo e da morte? Não e sim. Sempre que o espírito encontra albergue numa certa moradia limita-se e torna-se mortal. O tempo e a história dar-lhe-ão o fim que já está inscrito na sua limitação. O espírito imortal , esse não tem onde habitar, não procura morada nem lugar de repouso. Como o vento, ele corre pela terra. Ora está no deserto, ora sopra do cume das montanhas. Vagabundo, sem eira nem beira, miserável e sem casa onde habitar, esse é o espírito imortal.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

O desejo de voar

Tal-Coat - Vuelo (1973)

O desejo de voar que habita os homens não se deve a uma propensão para imitar as aves mas a uma ânsia de libertação. Libertar-se das limitações do corpo e do império da gravidade. Voar é então um devaneio da razão sobre as condições da nossa humanidade. No entanto, este sonho de se libertar da prisão imposta pela densidade da carne é apenas o prelúdio de uma compreensão do homem como espírito. No voo a espécie humana simboliza a graça do espírito, a graça de um mover-se que a eleva acima da condição terrestre e a abre para o incomensurabilidade da condição celestial.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Poemas do Viandante (613)

Felo Monzón - Composición cinética (1965)

613. o lirismo do labirinto

o lirismo do labirinto
leveda
em traços negros
e traz aos olhos
névoas
neblinas matinais
a combustão
do desejo
no labor lavrado da lava

(08/12/2016)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Meditação breve (15) - Édipo e a esfinge

Valerio Adami - Édipo e a esfinge (1980)

Não foi Édipo que matou a esfinge. Foi a esfinge que se deixou matar por Édipo, para assim o perder sem remissão. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Haikai do Viandante (316)

Fernando Sáez - Crepúsculo (1991)

frias sombras descem
sobre o palácio de inverno
uma ave cantou