quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Haikai do Viandante (271)

Rockwell Kent - Admiralty Inlet (1922)

neves na montanha
e um rio que corre invernoso
tempo de partir

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Sombras de domingo

Henri Le Sidaner - Dimanche (1898)

Quando chega a Primavera, volto sempre ao mesmo sonho. Deito-me, nas noites de sábado, e o sono vem rapidamente. Depois, depois, não sei como acontece. Estou escondido no bosque, a cidade ao fundo, e vejo desfilar grupos de jovens mulheres. Vêm e vão serenas. Falam baixo, apenas um murmúrio. Esforço-me por as ouvir, mas nunca o consigo. Falam sobre mim, tenho a certeza. Fingem, porém, ignorar-me. Olho-as, olho-as sempre demoradamente. Por fim, escolho uma, nunca a mesma. Escolho aquela a quem vou pedir em casamento. Tomo a decisão e corro para ela. Quando a estou a alcançar, ela sorri-me, como se esperasse por mim. Estende-me a mão e desaparece. Acordo, a luz da manhã entra-me pela janela. É domingo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A espera

Marcus Stone  - Waiting (1921)

A espera pode ser uma etapa crucial na viagem. Nem toda a espera, porém, tem em si esse poder de se tornar um elemento central na vida do espírito. Quando a espera é tida como instrumental, um tempo que antecede qualquer realização a vir, nesse momento ela é um obstáculo. É preciso que o viandante aprenda a deter-se na espera e não esperar dela outra coisa senão o que ela é, pois na pura espera já está tudo o que se há-de encontrar.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Poemas do Viandante (524)

Georgia O'Keeffe - Abstracción, rosa blanca n. 2 (1927)

524. Uma onda?

Uma onda?
Um deserto?
Apenas a rosa
branca e lívida
que se abre
para o longe
aqui tão perto.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Sonho e realidade

Max Beckmann - Rêve de París, Colette, Eiffel Tower (1931)

Na história da humanidade o sonho sempre desafiou a argúcia interpretativa dos homens. Antevisão do futuro ou sintoma de conflitos passados, o sonho foi e é motivo para uma recusa do presente. E no entanto ele é uma poderosa manifestação da presença do espírito, de um espírito que se liberta da coacção da lógica formal e dos constrangimentos espácio-temporais. Nessa libertação emerge uma outra realidade, aquela que as estruturas lógicas do entendimento e as formas da sensibilidade ocultam e sonegam na vida quotidiana.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Das redes de comunicação

Ernst Haas - Communication, Nevada (1962)

Vivemos na era das redes e da comunicação. O fascínio de comunicar com o longínquo raramente deixar perceber a dimensão global do processo. E o outro lado do processo é o evitar que o longínquo se torne o próximo. As redes comunicacionais, ao mesmo tempo que estabelecem conexões, estruturam distâncias e aniquilam formas de comunhão. As redes, ao intensificarem a comunicação, aniquilam o espírito que só a comunhão pode fazer nascer.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Nuvens

Edward Weston - Clouds (1936)

As nuvens possuem a particularidade de unir nelas um conjunto de contrários. Umas sugerem um ambiente pesado; outras, a leveza. Umas tornam o horizonte escuro; outras trazem com elas a claridade. Umas são sentidas como ameaçadoras; outras, benfazejas. O que nunca pensamos é que elas são a imagem, a nossa imagem, que o céu nos devolve. Ao olharmos as nuvens, através das metáforas usadas no jogo pueril da sua classificação, é a nós mesmos que encontramos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Haikai do Viandante (270)

Henri Edmond Cross - Arbres au bord de la mer (1906-7)

água azul e céu
guardam as velhas árvores
silêncio no mar

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Um problema de compreensão

Paul Ackerman - Dis-mois, compreds-tu quelque chose

A preocupação com a compreensão do mundo, com aquilo que se passa fora de nós, funda-se na crença ingénua de que o objecto da compreensão é transparente e acessível em si mesmo. A compreensão do mundo, porém, assenta na compreensão de nós mesmos. Aquilo que compreendemos no mundo exterior não é apenas mediado pela nossa auto-compreensão. É uma projecção dessa mesma auto-compreensão. Aquilo que eu vejo no mundo diz mais sobre mim do que sobre o mundo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O cair da noite

Giovanni Segantini - Landscape with Horses and Peasant Boy

O rapaz fez entrar os cavalos num pequeno lago para que matassem a sede. Olhou as águas e viu o reflexo dos animais. O sol ainda iluminava o campo, embora uma sombra avançasse rapidamente, galgando a floresta em perseguição do astro que, debilitado, se retirava para além do horizonte, como se um medo antigo o movesse. O rapaz estremeceu. Este jogo entre a luz e a sombra levou-o a procurar, nas águas, o seu reflexo. Via a imagem dos cavalos. Da sua não havia rasto. Perplexo, olhou o horizonte em busca do Sol. Do seu corpo começou a soltar-se um véu pesado e negro, um manto que caiu sobre a terra. Os cavalos diluíram-se, o campo desaparecera, a água secara no pequeno lago. Onde ele chegava, a noite caía.