sábado, 28 de fevereiro de 2015

Quebrar a pedra

George Seurat - The Stone Breaker (1882)

A viagem é como um quebrar a pedra, um rasgar da matéria da vida. Não para as desfigurar ou aniquilar, mas para libertar o espírito que nelas se escondem e, desse modo, dar uma outra figura à existência.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Iluminar a luz

Edward Hopper - Sun in an Empty Room (1963)

A modernidade trouxe consigo a ideia de que a razão continha uma luz própria que deveria ser derramada sobre o mundo para o ordenar, melhorar, refazer. Hoje, que o cansaço de ser moderno se tornou patente em todos os lugares, aquilo que o viandante pretende na sua viagem é deitar fora o desperdício com que a razão lhe ocupou o espírito, para que este, vazio, possa receber uma outra luz, aquela que poderá iluminar a luz da própria razão.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Da lentidão da sabedoria

Giacomo Balla - Abstract Speed - The Car has Passed (1913)

A sabedoria, se compreendida como sageza e não erudição, exige a demora. Só a lentidão tem o poder de tornar concreta essa sabedoria. O nosso tempo, todavia, não aprecia a lentidão. Por isso, tudo nele é velocidade e abstracção.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O caminho da sabedoria

Charles Lapicque - L’invitation à la sagesse (1961)

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. (Mateus, 5:3)

Tanto na tradição grega como na judaico-cristã, o caminho da sabedoria nasce do exercício de despojamento do próprio espírito. Sócrates clamava que nada sabia e que essa era a mais elevada sabedoria. Como Cristo, também ele era pobre em espírito. Nicolau de Cusa, no século XV, sintetizou as duas tradições no conceito de douta ignorância. Esta pobreza, tida como ignorância, nasce do desfazer das ilusões que a erudição traz consigo, mas, mais do que isso, ela é a condição de possibilidade para que o viandante possa responder ao apelo da sabedoria.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A noite e a luz

Benvenuto Benvenuti - Tramonto sul mare (1906)

Voltemos ao símbolo e à sua ambiguidade constitutiva. O pôr-do-sol simboliza muitas vezes o declínio, a anunciação do fim, o triunfo das trevas sobre a luz. Mas pode também significar algo completamente diferente. Pode significar a entrada no reino do mistério, a abertura para uma luz que não a luz que permite a visão sensível. Não por acaso, João escreveu: E a luz resplandeceu nas trevas. (Jo 1:5)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

De periferia em periferia

Henri Rousseau - House on the Outskirts of Paris (1902)

Os homens, levados pela vaidade e a frívola ilusão, julgam que o lugar que lhes cabe é sempre o central. E para chegar ao centro do mundo gastam a pouca energia que lhes cabe. O viandante há muito que tomou o caminho da periferia. Por vezes, entra numa casa e descansa, para logo retomar o caminho e, de periferia em periferia, seguir a voz que, na distância, o chama e o conduz para onde a frivolidade dos homens não se deixa arrastar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Haikai do Viandante (222)

Manuel Gil Pérez - Formas dinâmicas espaciais (1957)

no espaço aberto
descobre-se no amarelo
a luz do deserto

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O céu e a terra

Jean-Michel Folon - A propos du ciel et de la terre (1989-90)

Na cosmologia antiga, de Aristóteles a Ptolomeu, a terra e os céus eram qualitativamente diferentes. Essa qualidade diferenciada tinha uma interpretação religiosa. Com o advento da astronomia galilaica, essa diferença qualitativa desapareceu. Num primeiro impulso pode-se pensar que não faz sentido qualquer interpretação religiosa fundada na relação entre a terra e o céu. A verdade, porém, é que aquela diferença era uma prisão, mesmo para o sentimento do sagrado. Terra e céu, libertados da separação, contaminam-se agora. Se o céu pode ser tocado pelo profana, a terra não deixa de ser penetrada pelo sagrado. Entre um e outra, porém, está o homem, o mediador.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (498)

Gustave Courbet - Donna con l'onda (1868)

498. tudo aquilo que colhes

tudo aquilo que colhes
na luz da harmonia

tudo aquilo que te chama
na voz da alegria

tudo aquilo que te espera
na sombra do dia

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Um e o mesmo

Xaime Quessada - O piano (1957)

Não, não, a música não é um lenitivo ou um analgésico para as agruras da viagem. A música é um sinal que indica ao viandante que o mistério faz parte da sua viagem. Não é, porém, apenas um sinal do mistério, ela é ainda um símbolo. Na música, a voz que chama e aquele que escuta tornam-se um e o mesmo, como se, na viagem, o viandante, o caminho e o sempre adiado destino fossem um e o mesmo.