terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Viver os contrastes

Sonia Delaunay - Contrastes simultâneos (1913)

No século XIV Nicolau de Cusa pensou a coincidência dos opostos. Para o viandante, porém, o problema tem uma dimensão prática. Não se trata de pensar a possibilidade do pequeno coincidir com o grande, por exemplo. Trata-se de viver simultaneamente os contrastes que a vida que lhe coloca. Encontrar o silêncio no cento do ruído, descobrir a tranquilidade no meio da agitação, ver a luz dentro das trevas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

De negro em negro

Wassily Kandinsky - Mancha Negra I (1912)

Por vezes o negro é sintoma de que o espírito se perdeu no caminho, se entregou à errância e que já não consegue descortinar a estreita senda que o levaria a bom porto. Outras vezes, porém, o negro - a noite escura - é apenas a antecâmara da chegada da luz. O mais importante não é distinguir uma negridão da outra, mas aprender a transformar a primeira na segunda.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (496)

Max Klinger - Noite

496. este céu anoitecido

este céu anoitecido
sombra sobre sombra

este rasto de penumbra
no fim da jornada

este véu da madrugada
quase esquecido

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Continuar no caminho

Gustavo Torner - Amarillento, con rotura sobre negro que descubre circunferencia (1965)

A viagem é um jogo - um verdadeiro jogo de crianças - de rupturas e revelações. Chegar a algum lado não significa que se cortou a meta. Significa que algo se rompeu na via e com isso algo se revelou. Aquilo que se revela em cada ruptura não é outra coisa senão a injunção para continuar no caminho.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Perante a paisagem

Max Beckmann - Small italian landscape (1938)

O turista colecciona paisagens para elaborar um álbum de sensações de prazer que o consumo do mundo lhe dá. É uma relação de poder fundada no registo de sensações. O viandante apaga-se na paisagem para que o espírito do lugar se manifeste, e assim dois espíritos se unam e a verdade se revele.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A expectativa do reino

José Alfonso Morera Ortiz - Adveniat regnum tuum (1994)

A expectativa da vinda de um reino que não aquele que existe é um dos traços constitutivos da esperança humana. O equívoco é pensar que esse reino é no além. Não, o reino é aqui, aqui mesmo, neste pobre aqui e agora. Melhor, o além não é noutro lugar e noutro tempo senão aqui e agora.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Haikai do Viandante (220)

Joaquín Vancells i Vieta - Fevereiro, paisagem (1891)

árvores despidas
crescem do fundo da terra
o inverno as leva

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Um convite à sabedoria

Charles Lapicque - L'invitation à la sagesse (1961)

Ao olhar para a vida, é-se atraído ou pela consideração de que a vida dos homens é destituída de qualquer sentido ou pela ideia contrária, de que existem múltiplos sentidos em conformidade com a natureza de cada um. O caminho do viandante, porém, permite-lhe perceber a unidade que se opõe à ausência e que contém em si os múltiplos sentidos . A vida é um convite à sabedoria, à sageza, e esse é o sentido que unifica todos os sentidos possíveis.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O espaço da viagem

Javier Rodríguez Quesada - Altar

Deve-se aos estudos de Mircea Eliade a consciência da separação, nas sociedades tradicionais, entre espaços sagrados e espaços profanos. Os primeiros seriam o lugar de revelação do Totalmente Outro, os segundos, o lugar da vida quotidiana. A consciência moderna atenuou a intensidade dos espaços sagrados quase até os tornar invisíveis. O caminho do viandante, contudo, é o da constatação da sacralidade de qualquer espaço, pois em qualquer lado se encontra o altar onde a absoluta alteridade ganha carne e se manifesta.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (495)

Albert Rafols Casamada - Gran espacio claro (1977)

495. componho um madrigal

componho um madrigal
na noite de inverno

e deixo as águas correr
no leito do rio

como se uma luz descesse
no vagar eterno

com que os teus olhos desvelam
um campo baldio