sábado, 31 de janeiro de 2015

O ardor silencioso

Tal-Coat - Do ardor (1972)

Não é a impassibilidade dos estóicos que o viandante busca, tão pouco é o entusiasmo dos exaltados aquilo a que aspira. Na viagem, procura o ardor silencioso que move o coração e que, preso ao segredo que o habita, ilumina o mundo.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Criador de formas

Frantisek Kupka - A forma do azul (1931)

Muitas são as formas que se deparam ao viandante no caminho que faz. Num primeiro tempo, fica fascinado com a multiplicidade que o mundo exterior lhe apresenta. Num segundo tempo, cresce nele a dúvida sobre a origem daquelas formas. Seriam mesmo formas exteriores? Por fim, avançado na idade, o viandante descobre que tudo o que vê é a projecção daquele que vê. O bem e o mal, o branco e o azul, o sólido e o líquido, todas as formas têm a forma do seu olhar, da pureza ou da imundície que lhe habita o espírito. O viandante é um criador de formas, que o afastam ou o aproximam do que não tem tem forma.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Na escura noite

Sol LeWitt - A dark square on a light square and vice versa (1982)

All that understanding can grasp, all that desire can desire, that is not God. Where understanding and desire end, there is darkness, and there God shines. (Meister Eckhart, Sermon Eighty)

Suspender o pensamento e o desejo, suspender a razão e a vontade. Como será possível tal coisa? Não dependemos, na nossa vida, do entendimento e da faculdade de desejar? Não será a escuridão - aquilo que resulta da suspensão do pensamento e do desejo - o que mais tememos? Não será essa escuridão a própria morte? Sim, essa escuridão é a morte, não a morte biológica, mas aquela que elimina as ilusões do nosso entendimento e os devaneios do desejo. Só dela podemos ressuscitar, quando, na escura noite, a Luz brilhar.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Poemas do Viandante (494)

Caspar David Friedrich - Porto à noite (1818)

494. as vozes que se ouvem

as vozes que se ouvem
na queda do dia

as palavras rasuradas
que então me dizes

são símbolos que se abrem
no fulgor da noite

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Sobre a arte

Willian M. Harnett - Music and Literature (1878)

Em Hegel a arte - a arte dos gregos - ainda era vista como uma manifestação sensível do Absoluto. Nos dias de hoje, na sociedade de mercado, a arte é um bem económico e julgada socialmente pelo seu valor no comércio, independentemente da crença de cada um sobre o valor e os serviços que a arte possui e presta. Para o artista, contudo, a arte é a sua viagem no caminho do espírito, a resposta que dá à voz que o chamou, Não é uma manifestação sensível do Absoluto, mas o mapa que alguém traça da sua viagem ao encontro desse Absoluto.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O mistério da noite

Alphonse Osbert - O mistério da noite (1897)

As sociedades modernas dividiram a noite segundo uma tripla possibilidade. A noite como o tempo de descanso, como o tempo da diversão e como o tempo de trabalho. Esta tripla consideração do tempo nocturno tem por função matar o mistério da noite, impedir que ele simbolize para o homem alguma coisa de essencial. O mistério da noite reside na possibilidade que nela a luz se manifesta com mais intensidade. O mistério da noite é o da vitória luz sobre as trevas.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Divergência e convergência.

Jackson Pollock - Convergence (1952)

É hábito considerar o pensamento divergente como sintoma de criatividade. Toda a divergência é, antes do mais, um afastamento, uma separação do instituído, daquilo que o mundo e o senso comum aprovam como aceitável. Afastamento esse que é, ao mesmo tempo, uma convergência com o inesperado, o inusitado, com a voz única que do fundo do ser chama por aqueles que ousam divergir do mundo.

sábado, 24 de janeiro de 2015

De porto em porto

Paul Signac - Port of La Rochelle (1921)

O porto simboliza um momento especial da viagem. Marca a chegada a um certo patamar de compreensão e de luz. Ao mesmo tempo indica uma nova necessidade de partir, de entrar no não conhecido e no não luminoso. A tranquilidade de chegar a bom termo indica sempre a ânsia de procurar uma nova luz.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Haikai do Viandante (219)

Godofredo Ortega Muñoz - Aguirri Pirineos (1926)

sob a neve
a pedra fria e dura
nela a vida cresce

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A sedução do entretenimento

Gustavo - Circo turístico (1975)

O risco maior para quem recebeu a dádiva da vida é fazer dela uma viagem turística ao circo, tornar a sua existência numa relação distraída e superficial com a vida, o mundo e os outros. A sedução do entretenimento não é apenas o resultado da acção eficiente da indústria cultural. Ela é um perigo que espreita os mais elevados e insuspeitos domínios espirituais, uma forma de fazer da vida do espírito um passatempo de um eu exausto e fechado sobre si.