segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Haikai do Viandante (212)

JCM - Black & White Dreams (2014)

O dia escurece
na fria sombra da floresta.
Tudo anoitece.

domingo, 9 de novembro de 2014

Uma pequena fenda

JCM - Time on space (2007)

Muitas vezes a densidade da matéria parece constituir um muro que se ergue perante o viandante. A viagem parece então impossível e um fim anuncia-se na solidez daquilo que se constituiu como obstáculo. O espírito, porém, não deve descrer da potência da sua natureza. Nestes momentos, a viagem não é mais do que o trabalho de abrir uma pequena fenda na pedra. O tempo fará dela uma passagem.

sábado, 8 de novembro de 2014

O nosso lugar

JCM - Distopia (sem saída) (2014)

Esperamos sempre uma saída, um ir para além, uma transcendência. Esperamos sempre que haja uma porta que se possa abrir e um lugar para onde fugir. E se não houver? Se não houver, resta-nos permanecer no lugar que é o nosso, mas permanecer abrindo-nos à sua estranheza e ao mistério que ele contém. Para ele, não há um além nem um aquém. Ele é o aqui que é todo o aquém e todo o além que estão disponíveis para a nossa viagem.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A terra devastada

Jeffrey Smart - Wasteland I (1945)

Olhamos o baldio aberto pelo abandono e pensamos o que terá assim devastado a terra. A meditação leva-nos invariavelmente para a retirada do Espírito. Isso, porém, não passa de uma ilusão. O Espírito não se pode retirar de onde nunca esteve. A devastação é antes o sinal de que algo foi construído sem que o Espírito ali estivesse. Era apenas matéria e, como toda a matéria, teve o destino que é o seu, a desolação.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Poemas do Viandante (483)

Edvard Munch - The hands (1893)

483. a velha desolação do dia que acaba

a velha desolação do dia que acaba
na luz da noite

o sussurrar de alguém que espera
a cor do destino

o silêncio que se abre na ausência
da tua voz

eis a renúncia com que a rosa se abre
à luz do fogo

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Atravessar a escuridão

JCM - Heimat XII (2007)

Aprender a traçar um mapa na escuridão. Caminhos que unem pequenos pontos de luz, algumas manchas luminosas a indicar um aglomerado de vida, o mistério das cores que vencem as trevas. A viagem não é mais do que esta travessia na escuridão na esperança de que tudo se torne luminoso. Não torna, essa não é a condição deste mundo nem de quem nele vive. Há que atravessar a escuridão.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Um mero grão de areia

JCM - My foolish world (2014)

Se se perguntar o que é a alienação, as respostas tenderão a dar uma visão social ou mesmo política do estar alienado. Esse tipo de alienação, por importante que seja, é já e só secundário relativamente a uma alienação mais funda e estruturante. Trata-se do estranhamento do homem relativamente à sua natureza, a alienação antropológica. Esse estranhamento nasce da convicção, socialmente induzida, de que o homem é qualquer coisa, de que ele é algo mais do que um mero grão de areia, perdido num deserto infinito. O cristianismo chamou a atenção para essa ilusão ao fazer nascer o Cristo, o filho de Deus, num lugar que era a marca da pobreza. O Filho do Homem afinal - e esse é o grande escândalo - não era mais que um mero grão de areia.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Em alto mar

Lyonel Feininger - Barcos (1917)

Só ilusoriamente podemos pensar a viagem como sendo feita em terra firme. A solidez do mundo, contudo, é uma aparência e ao viandante não resta outro caminho senão o das águas. Como um barco em alto mar, ele é arremessado pelas ondas e vê-se envolto em tempestades. Por maior que seja o temor, nada mais pode fazer do que entregar-se ao elemento onde navega, aceitando essa vontade que está por cima da sua própria vontade.

domingo, 2 de novembro de 2014

Haikai do Viandante (211)

JCM - Heimat XI (2007)

castanheiros em flor
abrem-se sobre a velha cidade
murmúrio e rumor

sábado, 1 de novembro de 2014

O passeio pelo bosque

Henri Rousseau - O passeio pelo bosque (1886)

Há na literatura espiritual uma analogia recorrente entre o paraíso e o bosque, o bosque deleitoso, esse jardim onde o homem reencontraria a sua natureza perdida com a queda. Essa visão deleitosa oculta, porém, algo de muito mais essencial. O bosque como lugar de contacto com a vida tal como ela é, fora das ilusões que o eu constrói na interacção social. De certa maneira, o bosque é o lugar das delícias e da luz, mas também do árduo contacto com os elementos telúricos e com a sombra. O passeio pelo bosque não é apenas a delícia dada pela ressurreição. Inclui nele a morte na cruz, para falarmos segundo a tradição religiosa do Ocidente.