sábado, 31 de maio de 2014

Poemas do Viandante (458)

Max Dupain - Model Olive Cotton, Cornulla Sandhills, New South Wales, Australia (1937)

458. o véu que te revela

o véu que te revela
no segredo de areia

o sol que se rebela
e logo te incendeia

a boca de canela
fogo que me ateia

sexta-feira, 30 de maio de 2014

De olhos no cume

Hiroshi Hamaya - Winter starts on peak of Mount Fuji. Japan (1962)

Subir pouco a pouco, elevar-se lentamente, colocar os olhos no cume. Que outro símbolo pode dizer melhor a tarefa do homem na vida? Subir ao cimo da montanha, enfrentar os duros caminhos e abrir o coração para a intempérie. Despojar-se do inútil e ascender confiado na acção gratuita do invisível.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Tornar-se cego

Júlio Pomar - Cegos de Madrid (1957)

Não se trata de ser cego, mas de tornar-se cego para ver. Pelos olhos entra o que nos deslumbra, e, deslumbrados, apenas temos olhos para o objecto do deslumbramento. Se nos tornarmos cegos, porém, o campo do visível deixa de ocultar o do invisível, daquilo que se esconde por detrás das coisas que prendem o olhar. Ao tornarmo-nos cegos abre-se a remota possibilidade de aprendermos a olhar.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Uma clareira azul

Fernando Lerín - Sem título (1985)

De súbito, no meio da mais tenebrosa das tempestade, surge uma clareira azul no céu. Os elementos estão em fúria, mas um novo caminho abre-se diante do viandante, chamando-o para o outro lado, oferecendo-lhe a graça de uma passagem.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Haikai do Viandante (190)

Max Dupain - Nude in sunlight (1937)

de nuvens coberto
um sonho de sol e água
sombra no deserto

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Sentimento de incompletude

 Hippolyte Blancard - Sem título (1888)

O que desencadeia em alguém o desejo da viagem, a necessidade de se pôr a caminho e de se tornar viandante? Não é a busca de novas sensações, nem o prazer da aventura ou a ânsia de descobrir novas realidades. Tudo isso são ainda funções que o turismo pode suprir. Aquilo que atira o homem para a viagem do espírito é o sentimento de incompletude. Alguma coisa que é sentida como sendo própria está em falta. O viandante faz-se ao caminho à procura da outra parte de si mesmo.

domingo, 25 de maio de 2014

Ruínas e memória

Lucien Clergue - Ruines, Arles (1954)

Mais que o memorial ou o monumento conservado, as ruínas representam uma espécie de fidelidade mnésica. A memória, na sua faceta restauradora ou comemorativa, tende a idealizar o passado, a despi-lo do tempo. mentindo assim sobre a nossa condição passageira. As ruínas, porém, mostram-nos o passado e o presente, evidenciam o trabalho do tempo. Recordam-nos vivamente que somos pó e ao pó voltaremos.

sábado, 24 de maio de 2014

A estrita necessidade

Hiroshi Hamaya - A girl carrying a baby on her shoulders as she goes to make errands in the snow covered landscape of Aomori. Japan (1955)

Quantas vezes hesitamos no caminho? Quantas vezes o conforto do momento é sinónimo e motivo de adiamento, de procrastinação, de exercício de uma ilusória liberdade. Depois, quando a necessidade se abate sobre o viandante, ele põe-se a caminho e enfrenta as mais terríveis condições. Nesses momentos, descobre que a liberdade nasce ali onde a mais estrita necessidade o impele.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Na terra devastada

Man Ray - Waste Land (1929)

Não fugir. Insistir, permanecer na terra devastada, deixar que ela traga até nós as primeira palavras, que abra a bolsa onde guarda os segredos e nos deixe espreitar. Ali, onde a terra foi devastada e abandonada pelos homens, também é lugar de viagem. Melhor, é sítio de peregrinação e de espera. Espera que a terra fale e a verdade, abençoada pelo silêncio, se revela.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Haikai do Viandante (189)


no mundo vazio 
no infinito deserto
silêncio sombrio