sábado, 11 de janeiro de 2014

Sabedoria

Francisco Soto Mesa - 1.98.1 (1984)

Há aqueles  que andam à deriva e não sabem que rumo tomar, entregues à errância e à perdição. Outros traçam objectivos e, pela força da razão e da vontade, cumprem-nos. Os terceiros, porém, não estão perdidos, mas também não têm objectivos. Escutam e seguem uma voz que não sabem de onde vem nem para que terra os impele. É nestes que desce a sabedoria.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A terra da alegria


Deixar o silêncio branco da pedra chegar, abrir-lhe a porta, recolhê-lo no fundo do coração. Depois, cuidar dele, regá-lo dia a dia, até que floresça, se torne casa e pátria, o lugar que espera por ti. A terra da alegria.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O jardim abandonado

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

Quando se pensa no jardim do Éden, pensa-se sempre na história da expulsão do homem e do duro destino que lhe coube. O mito, com o fascínio que exerce, acaba por ocultar uma outra vertente da narrativa. O homem foi posto no jardim para cuidar dele. O jardim era, desse modo, algo que precisava do cuidado do homem. Ao ser expulso, o jardim foi abandonado. Podemos supor, na nossa imaginação, pois é a ela que os mitos se dirigem, que esse lugar, ao perder o jardineiro, se tornou selvagem e espera pelo retorno do homem. Dito de outra maneira, há um jardim que espera por nós, pois precisa do cuidado do homem.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Poemas do Viandante (445)

Benvenuto Benvenuti - Inverno - Manhã (1905)

445. Terrível a solidão do Inverno

Terrível o silêncio do Inverno.
Desce pela manhã
e abre clareiras de bruma
entre sombras e arvoredos.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Do caminho e da viagem

Wassily Kandinsky - À volta da linha (1943)

Talvez a viagem que cabe fazer a cada um de nós seja sempre por uma linha recta. Isso significaria que teríamos o dever de a fazer o mais rapidamente possível. Porém, à volta da linha amontoam-se os objectos, as solicitações, as miragens, tudo aquilo que desvia o desejo e torna o caminho perigoso e lento, tão lento que uma vida generosa em anos não chega para o percorrer e consumar a viagem.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Abrir caminhos

Ferdinand Hodler - Triunfo da técnica  (1897)

Talvez fosse de bom tom afirmar que a técnica esmaga o homem, que este fica preso no artifício dos dispositivos que inventa para tornar a vida menos pesada. Mas haverá ainda homem se o despojarmos de todo e qualquer dispositivo técnico? Não é já a linguagem uma prótese técnica? Pensa-se, por vezes e não sem ingenuidade, que meditar e contemplar seria entrar num mundo não técnico, num mundo desprovido de dispositivos e próteses. Mas a mais singela meditação ou a mais profunda contemplação são fruto de um artifício técnico, como se o acesso ao "não técnico" exigisse a mediação da técnica, dos dispositivos e próteses que, pertencendo ao mundo dos objectos mecânicos ou ao mundo das técnicas do espírito, abrem caminho por entre as limitações da condição humana.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Haikai do Viandante (170)


Um pássaro canta
no musgo verde da rocha:
a onda o levanta.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O caminho tortuoso

Remedios Varo - Caminhos tortuosos (1957)

É um desejo infantil que nada na vida seja sinuoso, que tudo se desdobre segundo o desejo do momento, que o caminho seja linear e desprovido de embustes, ilusões e obstáculos. Para que serviria, porém, tal caminho? É na sinuosidade da viagem que o viandante escuta o sopro do vento e, na dificuldade dos obstáculos, aprende a obedecer àquilo que o caminho impõe. Na curva inesperada não está apenas a ameaça de morte, mas também a surpresa que o espera e lhe dá alento e vigor para continuar a viagem.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

O tempo dos viajantes

Liubov Popova - The Traveler (1915)

Vivemos em tempos de nomadismo. Não se trata apenas daqueles que, pela imposição da estrita necessidade, se vêem obrigados a emigrar, mas do culto pela viagem induzido pela moderna indústria do turismo. Este viajar, porém, acaba por fragmentar o viajante, pois, levado pelo desejo, submete-se à multiplicidade de sensações sem nunca poder aceder ao centro nevrálgico que unifica os mundos pelos quais passa, nem encontrar o caminho para si mesmo. Viajar não passa de um divertissement, tal como o entendia Pascal, uma estratégia de esquiva perante a efectiva realidade humana. Viajar tornou-se um exercício de ideologia, se entendermos por esta uma visão distorcida da realidade.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A luz da verdade

George Inness - Winter, Close of Day (1866)

Os dias já começaram a crescer, mas a chuva persistente traz consigo a nostalgia de um tempo que parece ter acabado. Não a nostalgia do passado, mas a memória viva de um relação mais funda com a terra e o céu. Recolhido no dia, o viandante medita sobre a verdade, sobre essa estranha promessa que une o que está em cima e o que está em baixo. Nestes dias, tudo parece mais autêntico, como se a nossa verdade estivesse na luz contida e espessa que do alto se derrama sobre nós.