sábado, 3 de abril de 2010

Poemas do Viandante (81)

 Christian Bérard - The Seventh Symphony. A Bird (1938)

81. Um animal ferido

Um animal ferido 
tomba
pelo chão,
entre juncos 

de sombra
e ervas abertas
para a luz.

Pobre orquídea 
de fogo
e penumbra,
pássaro caído
na véspera do verão.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Páscoa e tempo

O mistério pascal, a morte e a ressurreição. Por vezes, diz-se "tempo de Páscoa", mas nunca se percebe nessa declaração a tautologia aí presente. Pensamos que há um tempo de Páscoa, outro de Natal, um de Carnaval, ou pensamos em tempos profanos, como aqueles onde, nos dias de hoje, decorre a vida dos homens. Isso ajuda-nos a falhar a compreensão da tautologia. Entre cada instante e a Páscoa cristã há uma semelhança que talvez seja pertubadora. A Páscoa dos cristãos é marcada pela morte de Cristo e a sua ressurreição. Ora esta narrativa plasmada no tempo, entre sexta-feira e domingo de madrugada, permite apreender a essência do instante temporal. Nas Confissões (IX, 14), Agostinho de Hipona, enfrenta o tempo com uma aporia: "Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a perguntar, já não sei." Uma aporia é o sintoma de uma dificuldade, quando não de um mistério.

O que acontece a cada instante é uma morte e uma ressurreição. Na cruz do instantes (cruz, pois lá se cruzam passado e futuro) crucifica-se o ser que somos mas que deixamos de ser, morremos para o que fomos, que passa a ser apenas memória e passível de rememoração. Mas essa morte é a condição de possibilidade da vida que está a chegar. Morremos e ressuscitamos, instantaneamente. A Páscoa ao sacralizar esse instante de morte e ressurreição dá-lhe uma dimensão absoluta. Na mais relativa das relatividades, o instante, encontramos a dimensão do absoluto. Ao morrermos, ressuscitamos para a eternidade. Esta já está aí, embora sejamos cegos para o que está aí. A Páscoa talvez não seja mais do que um exercício de abertura dos olhos ou de focalização do olhar.

domingo, 21 de março de 2010

Poemas do Viandante (80)


Claude Monet - The Red Kerchief: Portrait of Camille Monet (1860-70)

80. Sob a sombra

Sob a sombra,
um desejo
de água,
promessa
de noite,
se demoras.

E assim fico
no vidro
da manhã,
esperando
o sono,
contando
as horas.

terça-feira, 9 de março de 2010

Poemas do Viandante (79)

George Inness - Twilight (1860)

79. Veio o crepúsculo

Veio o crepúsculo
no dorso da tarde
e pediu pão e vinho.

Saciado, levantou-se,
ergueu os olhos
para a noite 

e, como uma rosa,
em silêncio se despediu.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Poemas do Viandante (78)

 Martin Johnson Heade - Approaching Thunderstorm (1859)

78. Das nuvens

Das nuvens,
o silêncio
do entardecer.
 

Tão húmido
e tão frio,
desliza na voz
que o vai trazer.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Poemas do Viandante (77)

77. Penumbra

Penumbra
de silêncio
e fogo.


Alegria
de sombra,

um cavalo
de sangue.


A voz
que oiço 

e logo calo.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Poemas do Viandante (76)

76. Despes as palavras

Despes as palavras.
Em cada sílaba
sopra o vento.
E tudo flutua,
a dor ao relento,
ou a seda rasgada
que te deixa branca,
leve e nua.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Poemas do Viandante (75)

75. Um império

Um império
de ervas e
tormentos,

um fulgor
de sedas,
um anjo
que desliza
e trémulo
voa na praia
do esquecimento.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Poemas do Viandante (74)

74. Os dias

Os dias
onde tudo era
água.
Uma rosa

abria-se
no quintal

e a dor crescia 
vinda 
no vendaval.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Poemas do Viandante (73)

73. Uma erva baloiça

Uma erva baloiça
sob a luz
do vento.

Vai e vem,
leve
se arqueia,

e ao tocar a terra
ergue-se
para o firmamento.